O ano era 2013 e a banda Filhos de Jorge surge na cena baiana com aquela música que seria o divisor de águas na história do grupo e a lançaria para o Brasil e para o Mundo: Ziriguidum.
A faixa, composta pelos irmãos Gileno e Gilmar Gomes, rapidamente ganhou as ruas de Salvador e conquistou a Bahia. Mas o que muitos não sabiam era que a música na verdade era uma versão da faixa Yiri Bom, composta pelo artista cubano Silvestre Méndez.
O debate “plágio, sample e versão” voltou à tona na última semana com o caso de James Blunt e Ávine Vinny em ‘Coração Cachorro’, e o de Robyssão, acusado de plagiar a música Faraó, composta por Luciano Gomes, em um de seus hits de 2021.
Ao Bahia Notícias, Gileno Gomes, compositor de Ziriguidum, contou a história de um dos maiores sucessos do grupo, que, no meio do caminho para o sucesso, rendeu uma grande dor de cabeça para ele e seu irmão por conta dos direitos autorais, mas resultou em um final feliz.
“Meu irmão, Gilmar Gomes, mora nos Estados Unidos há 18 anos e faz parte da banda de Enrique Iglesias. Ele estava em um show no Guatemala e ouviu essa música tocando no rádio, e registrou a música no celular. Quando ele veio para Salvador, a gente estava no processo de gravações (da banda Filhos de Jorge) e ele deu a ideia de fazer algo com a música e sugeri a versão”, contou Gileno Gomes, compositor da versão.
Na época, os irmãos não encontraram de imediato referências da canção. Por ser uma música antiga, a dupla acreditou que ela seria de domínio público, no entanto, a conta acabou chegando da pior forma, repentina e no auge do sucesso da banda.
“Foi uma novela, a gente achou que era de domínio público pelo tempo até que a gente encontrou uma edição de um cara cubano editada no México. A gente tentou contato via telefone, o cara falou que não tinha representante no Brasil e a gente foi perdendo tempo. Um mês depois uma produtora do Rio de Janeiro ligou dizendo que estava com os direitos da música”.
Ao Bahia Notícias, o professor de Direito Civil, Direito Autoral e Propriedade Industrial da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Rodrigo Moraes, explicou o que configura uma canção de domínio público:
“Para obras literárias e obras musicais, o prazo de domínio público é de setenta anos a partir do dia 1º de janeiro subsequente a morte do autor. Por exemplo, Saint-Exupéry, autor do Pequeno Príncipe, aquela obra em francês já está em domínio público, mas uma tradução do Pequeno Príncipe pode ser que não esteja em domínio público, se o autor não tiver falecido há 70 anos”. A regra se aplica para obras musicais também.
O advogado ainda ressalta que há uma diferença entre uma versão e um plágio e, no caso da banda baiana, o que aconteceu foi uma versão sem autorização prévia.
“O plágio é um ilícito autoral no qual eu pego uma música de alguém, ou parte de uma música, e atribuo a mim mesmo a autoria. É uma violação do direito moral. Uma coisa é o plágio, outra coisa é uma versão desautorizada. O que a banda Filhos de Jorge fez uma versão que não teve uma prévia autorização. Não vamos confundir o plágio com a versão desautorizada. Porque o plagiador tenta dissimular e convencer a sociedade que ele é o autor daquilo”.
A canção, que tem 24 milhões de views em seu clipe no YouTube, e rendeu a banda o título de ‘Música do Carnaval’ em 2013, não gerou lucros para a banda. Para Gileno e Gilmar, que aceitaram um acordo de aparecer nos registros como “versionistas” da canção, ficou apenas o sucesso estrondoso, e para a banda, a visibilidade nacional.
“Não temos direitos sobre a música, todo dinheiro que a gente fez com a música ficou com a Pier Music e os familiares do compositor. Financeiramente não ganhamos nada, mas por outro lado ganhamos visibilidade. E o conselho que eu dou é, quando for fazer isso, procurem os compositores originais, as editoras, peçam a autorização, façam o acordo e registrem”.
Para que uma versão seja lançada de forma legal, é necessário que o artista tenha a autorização do compositor original e da editora que ela foi registrada. Caso contrário, a música pode ser removida das plataformas, além de render um processo para o versionista por danos morais. No Ecad é possível saber quando uma versão foi autorizada pelo autor original, ou se a situação ainda está pendente.
“É preciso de autorização se uma obra não está em domínio público. A gente sabe que tem versões de muito mau gosto, versões desautorizadas, violando o direito moral e a integridade da obra. Porque o autor dizia uma coisa, e a versão dizia uma coisa completamente distinta, totalmente diferente do criador intelectual queria dizer”, afirma Rodrigo Moraes.
O especialista ainda pontua que a decisão da editora de não ter dado foi algo injusto com a banda.
“Achei uma atitude criticável da editora, porque ela não trabalhou para que a obra fizesse sucesso. Ela não conseguiu um versionista para trabalhar na obra, ela pegou um sucesso feito de forma espontânea. Ela poderia ter dado uma parte desse faturamento para os versionistas que fizeram uma versão super de bom gosto, mas, como eles não tiveram a autorização prévia, é um direito dela fazer isso”.
Ziriguidum é apenas um dos sucessos do catálogo de músicas no estilo “Versão brasileira Alamo/Hebert Richers”. Entre os artistas mais lembrados por “pegaram emprestado” canções de fora do país estão Calcinha Preta e Latino. Com o repertório na boca do público, ambos os artistas fazem sucesso em suas versões, sendo a banda de forró com de músicas de banda de rock, como Heart, Kansas, Foringer e Angra, e Latino que aposta em versões de músicas turcas e romena.
Fonte: Bahia Notícias